sábado, 22 de novembro de 2008

Coisas que só acontecem no Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro é um lugar onde acontecem coisas inacreditáveis. Por isso, a partir de hoje, vou compartilhar as historinhas bizarras e engraçadas dessa cidade.
Infelizmente vou começar por um "causo" lamentável, porém real, acontecido na quinta-feira passada, quando um baita temporal desabou na cidade.

Pânico no Metrô-Rio
(Crônica publicada este sábado no Segundo Caderno do O Globo)
Dias atrás, vi a morte de perto. Não por uma experiência sensorial, mística ou filosófica. Foi na pele, mesmo. No Metrô-Rio, aquela concessão estadual (recém-renovada) explorada por uma empresa privada. “Privada”, aliás, é uma boa palavra para descrever a impressão que guardo, daqui para frente, de um serviço do qual um dia me orgulhei.

Os fatos: segunda-feira passada fui, de táxi, a um encontro na Avenida Presidente Antonio Carlos, Centro. Ao deixar o prédio, caía o temporal que todos vimos. Comprei um guardachuva e, abrigado do vento pelas marquises, me refugiei numa casa de galetos, onde fiz hora. Quando a chuva acalmou, lá pelas 17h30m, deixei o restaurante e, na impossibilidade de achar táxi (estava mesmo tudo parado), decidi pegar o metrô e saltar na Central ou na Praça Onze, estações próximas do jornal. Caminhei até a Cinelândia e desci as escadas, ao fim das quais já se iniciava a fila, que, apesar de longa, até correu bem: em vinte minutos, passava as roletas e rumava para o trem.

A composição estava quase lotada, mas ainda havia espaço. Junto com meia-dúzia de retardatários, achei o meu nicho e aguardei, após uma boa demora sem aviso, a partida. Mal sabia que o pequeno aborrecimento era uma prévia do pesadelo que se seguiria.

O disparate, o descaso, o despreparo para lidar com imprevistos, a iminência do crime contra o público, aconteceram na estação seguinte, Carioca. De um lado, as portas se abriram, mas poucos saltaram. Do outro, uma avalanche de usuários despencou no trem, entre gritos de exaltação e de medo. O influxo se seguiu por pelo menos 20 segundos sem que qualquer tentativa fosse feita pelo condutor de fechar as portas (se é que ele as devia ter aberto) e, quando as mesmas se moveram, a multidão continuou a pressionar até o fim.

Cá dentro, o terror: com dificuldades de respirar, jovens, idosos e mulheres eram comprimidos contra as paredes do trem, no limite do esmagamento. Mais alguns segundos de influxo e teriam começado os desmaios e, talvez, as mortes: o mesmo tipo de mortes que vemos em estádios de futebol, em grandes funerais, ou em outros colossos populares.

Desta vez o trem se moveu logo. Mas não por muito tempo: assim que adentrou o túnel, freou violentamente, e uma pane elétrica tirou- nos a luz e a ventilação. Ao protesto coletivo seguiu-se um silêncio tenso, cortado por sussurros de apaziguamento ou tentativas de humor, para espantar a perspectiva sombria de se ficar indefinidamente numa lata de sardinhas, sem movimento e sem ar.

Os minutos foram passando. Em flagrante insensibilidade à agonia dos passageiros, nenhum aviso, nenhuma explicação, vinha dos alto-falantes. Dane-se o usuário. Dane-se o idoso aqui do meu lado, com os olhos arregalados. Danemonos todos, e aguardemos nossos destinos. — Nunca vi isso. Na moral. Nem no trem. — disse um rapaz, referindo-se às composições urbanas de superfície.

— Isso é crime. Deixar lotar assim. Vou saltar na próxima de qualquer jeito — respondi, num ganido, com o pescoço pressionado.

— Fica ligado — advertiu o rapaz. — É desse lado aí que vai entrar boiada dessa vez.

Minha espinha gelou, apesar do calor crescente. Por uma desgraça do acaso, eu me encontrava do lado errado do trem (e como é que eu ia saber?). Se a próxima leva de passageiros fosse tão exaltada quanto a anterior, e se, do outro lado, mais uma vez, não saltasse muita gente, a situação podia piorar. Eu estaria ali. Seria a minha vez de perecer.

“É assim que se morre, um dia, numa tragédia inesperada”, pensei. Minha família ia entrar com um processo contra o Estado, o consórcio e a inútil agência reguladora (Agetransp). Não sei se receberiam a indenização. Sei que estaria na cova, por ter confiado no Metrô, nosso orgulho.

Eram essas as minhas reflexões quando a luz e a ventilação voltaram e o trem repartiu. No total, mais de 10 minutos. Repito: sem uma única satisfação, sem uma palavra.

Com o trem em movimento, o condutor limitou- se a dar um esporro nos passageiros, pelo fato de alguém ter feito soar o alarme, pois parecia que, numa outra estação, havia uma emergência. PQP! E a nossa situação? Não era emergencial?

“Não me apresentem a esse condutor. Não me apresentem a administradores do Metrô- Rio. Não sei do que eu seria capaz”, pensei, tomado por ânsias de ultra-violência.

O trem seguiu e aproximou-se da estação seguinte, Uruguaiana. Estufei, então, o peito, contraí todos os meus músculos. “Vou sair daqui de qualquer jeito”. A plataforma estava apinhada. “Não vou morrer nesta joça”. As portas se abriram e lancei-me à saída aos berros, usando todo o repertório de ameaças, palavrões e insultos, os punhos cerrados na direção de quem ousasse se aproximar de mim ou tentar forçar a entrada. Se necessário, partiria para cima, lutaria, corpo a corpo, pela minha vida. Atrás de mim, o senhor idoso, e mais uns passageiros em fuga pelo “lado ruim”, repetiam minhas sentenças, como ecos. Num certo momento, fez-se um pequeno clarão e conseguimos escapar.

— Isso aqui é a roça! A roça! — esbravejou o idoso, furioso, quando já estávamos subindo a escada para encontrar a liberdade.

— Não senhor. A roça é a civilização. Aqui é o inferno, a masmorra, a barbárie, a infâmia.

Ele concordou. Ganhei a rua, ainda gotejante de uma garoa final, no coração do Rio. Camelôs cibernéticos voltavam a vender DVDs de sacanagem, tendo ao fundo música sertaneja. O Rio, o Brasil, estava de volta, vivo, e eu também. Senti uma alegria. E caminhei, aliviado, os dois quilômetros dali até o jornal.

Por Arnaldo Bloch.

*****

Uma cidade onde os transportes são uma calamidade, o meio que deveria ser mais confortável e mais rápido torna-se um pesadelo. Aqui onde eu moro nem metrô tem, nem trem. Temos que nos aventurar em vans suicidas e ônibus.
Como diria o Boris Casoy: "Isso! é! uma! vergonha!"

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